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Fiz as pazes com a Barbie

A primeira boneca Barbie foi lançada em 1959, hoje em 2023 após 64 anos, o produto é um grande sucesso, não somente a boneca em si, mas todo e qualquer mercadoria difundida com a estética ou logo relacionado a boneca. Existem diversas linhas de produtos, para beleza, estilo, cuidados pessoais, colecionismo, entre outros que vendem só pela mínima associação com a marca Barbie.


Como uma garota que cresceu no início dos anos 2000 tive várias Barbies, em sua maioria pirateadas, pois a boneca sempre foi muito cara, mas ainda sim com o título de Barbies, para manter o status. Me lembro de ter uns 6 anos e usar uma roupa amarela com estampa da Barbie nela, lembro de usar uma bolsa parecida com a dos filmes e cantar todas as músicas na sessão da tarde.


Essas são algumas das memórias boas de uma infância não tão fácil, porque por mais que eu gostasse muito das minhas bonecas, nunca me vi em nenhuma delas. Elas não tinham meu cabelo cacheado ou meu peso. Também não tinham minha cor ou traços do meu rosto, na verdade a maioria das minhas bonecas se pareciam mais com as meninas que faziam bullying comigo.


Por muito tempo foi vergonhoso para mim gostar de Barbie, era como se por querer usar rosa ou ter algum objeto relacionado a estética fosse me levar de volta para esse mar de tristeza e humilhação. Durante minha adolescência reneguei tudo que estava dentro desse meio, só usava preto ou cores escuras e me reprimia em diversos aspectos, não que eu não fosse feliz ou que não ficasse bem de tons escuros, mas eu merecia mais.


Merecia usar todos os tons e cores possíveis, merecia poder passear por todos os estilos sem medo de julgamentos ou pensamentos. Teve um momento que foi determinante nessa jornada sobre aceitar essa parte de mim que gosta de rosa e gosta de Barbie, foi quando vi pela primeira vez o vídeo da Youtuber Jout Jout chamado “Fiz as pazes com o rosa”.


Nesse vídeo de 2017 que tem uns 6 minutos a Jout Jout discorre sobre uma epifania que ela teve ao decidir comprar um cinzeiro e escolher o da cor rosa, porque por muitos anos ela rejeitou essa cor, para não performar um ideal de feminilidade imposto pela sociedade que a fazia se sentir mal.


Mesmo sabendo que cores não definem gênero, a nossa sociedade constantemente associa rosa a mulheres e isso gera sim uma rejeição a essa cor, por parte desse grupo que não se encaixa no padrão. Então desde de 2017 venho fazendo as pazes com rosa, tá tudo bem usar, tá tudo bem não usar. Eu não sou menos ou mais feminina por usar, mas é sobre ter a liberdade de escolher quando e como usar, sem agradar ninguém além de mim mesma.


Hoje depois de assistir Barbie percebo que também fiz as pazes com a boneca, sei que é meio confuso o ato de humanizar uma boneca ou uma cor, porém é exatamente esse movimento que faz toda a diferença, pois é aí que damos poder ou sentido a algo. Então se a sociedade cria bonecas que performam competitividade feminina, que geram distúrbios de imagem ou propagam um ideal irreal de beleza, temos que tentar ao máximo diminuir esses impactos, nos nossos sentimentos e pensamentos.


É uma jornada difícil desvencilhar um símbolo grande como a Barbie daquilo que ela representou por anos, mas se até mesmo a Barbie estereotipada não é feliz com seu corpo e decisões, como nós humanos tão imperfeitos vamos ser. A Barbie tem inúmeros formatos de corpo, cabelo, personalidade e todas são válidas e foi muito gostoso ver isso no cinema.


A direção da Greta Gerwig deu um toque humanizado e pessoal a Barbie, a história da boneca foi muito além do que eu esperava, é como ver a formação de um mito ou ideal bem na sua frente e poder entender as camadas e nuances que sua representação tem, não só na sociedade, mas em cada indivíduo.


A Barbie da Margot Robbie me fez ter uma identificação enorme com uma boneca/mulher que não é nada parecida comigo, porém no íntimo é tão igual que chega a me assustar. É bizarro ver que algumas demandas coletivas das mulheres podem na verdade ser algo tão pessoal. Foi ótimo sentir acolhimento e carinho por essa Barbie.


O arco todo do Ken do Ryan Gosling foi um dos meus favoritos também, pois eu não esperava me apegar tanto ao personagem, mesmo ficando brava com as decisões dele, pude ver que a reflexão real é que o patriarcado é danoso não só pras mulheres, mas para os homens também. Não podemos concentrar todo nosso esforço e motivações em dependência de uma outra pessoa, precisamos ser autênticos e fiéis a nós mesmos.


O filme é divertido e ao mesmo tempo profundo, para mim foi uma experiência completa, desde ir de rosa ao cinema e me sentir parte de um movimento, até chegar em casa e ficar revendo memórias e organizando sentimentos que por muito tempo quis deixar guardados. Por isso fiz as pazes com a Barbie e me sinto mais leve em relação a poder respeitar os gostos do meu eu de infância.


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